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O QUE É DELITO? UMA ANÁLISE SOBRE O FATO TÍPICO






Por Carolina Medici, advogada criminalista, mestre em ciência penais, professora de direito e processo penal em cursos de graduação e pós-graduação e examinadora de concursos públicos.






No Brasil, delito é gênero que possui duas espécies: crime e contravenção. As contravenções penais estão descritas no Decreto-Lei 3.688/41; os crimes são as condutas descritas tanto no Código Penal (Dec.Lei 2.848/40) quanto nas demais leis extravagantes, como por exemplo a lei de drogas (lei nº 11.343/06), lei de crimes ambientais (lei nº9.605/98), lei de organização criminosa (lei nº 12.850/13) etc.


O senso comum, entretanto, acaba utilizando apenas a expressão “crime” como sinônimo de delito, sem fazer a diferenciação acima. Mas, para além da análise acerca da nomenclatura tecnicamente correta, o que nos cumpre destacar aqui é: quando podemos realmente afirmar que houve a prática de delito?


De acordo com a Teoria Tripartite, majoritariamente adotada, o delito é composto por três substratos: (i) fato típico, (ii) ilicitude (também chamada de antijuridicidade) e (iii) culpabilidade.


Neste artigo, nos ocuparemos apenas da análise sobre o fato típico; ilicitude e culpabilidade serão oportunamente estudadas em outro momento.


O fato típico, então, é composto por cinco elementos: (i) conduta, (ii) resultado, (iii) nexo causal, (iv) elemento subjetivo e (v) tipicidade.


Por conduta devemos entender o movimento humano voluntário com finalidade; aqui, não perquirimos o motivo da conduta, pois a análise se restringe apenas a voluntariedade dos movimentos, de modo que são causas hábeis a excluir a conduta situações de força maior, atos reflexos ou estados de inconsciência, por exemplo.


O resultado, por sua vez, pode ser naturalístico (perceptível pelos sentidos) ou normativo (ofensa à norma); este último está presente em todos os delitos (sejam materiais, formais ou de mera conduta), enquanto que o primeiro é exigido apenas nos delitos materiais.


O nexo causal é a relação entre a conduta e o resultado, segundo a qual se poderá subsumir que aquele resultado derivou da conduta do agente. Cumpre destacar que o art.13 do CP, ao estabelecer um conceito para a relação de causalidade, acabou gerando o problema do regresso ao infinito. Assim, com vistas à solução de referido problema, diversas teorias[1] surgiram, mas a forma mais simples de entendera relação de causalidade é no sentido de que somente devemos considerar causa de um resultado a ação ou omissão sem a qual aquele resultado não teria ocorrido, da maneira que ocorreu.


O elemento subjetivo é a motivação do agente, que pode ter atuado com dolo ou culpa. Agirá dolosamente aquele que atuar com consciência de que sua conduta é contrária à norma e vontade de assim proceder[2] . Agirá com culpa aquele que, não tendo a intenção de atuar contrariamente à norma e tampouco lesionar bem jurídico, deixa de observar dever objetivo de cuidado e, por imprudência, negligência ou imperícia acaba provocando lesão típica.[3]


Por fim, a tipicidade é, em apertadíssima síntese, a subsunção do fato à norma, ou seja, aquilo que o indivíduo fez no plano real, deve encontrar reflexo na norma penal incriminadora. Esse é, portanto, justamente, o conceito de tipicidade formal. O problema é que apenas a tipicidade formal não é suficiente para explicar o conceito de tipicidade por conta de uma série de princípios que limitam e informam o Direito Penal[4]. Nesse sentido, não poderíamos considerar típica uma conduta que, embora tenha tipicidade formal, não seja capaz de gerar nenhuma lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado; há que se ter, portanto, além a tipicidade formal, a chamada tipicidade material, assim entendida como uma efetiva lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico protegido. Nessa linha de raciocínio tipicidade seria a junção da tipicidade formal com a tipicidade material[5].


Sobre a necessidade da tipicidade formal e material para a configuração da própria tipicidade, doutrina e jurisprudência são bem acordes, de modo que é majoritário o entendimento nesse sentido. Inclusive, esse ponto é objeto de perguntas em diversos concurso públicos. Todavia, não obstante esse seja o entendimento majoritário, não é raro encontrar situações e decisões judiciais que se contentam com a mera tipicidade formal, olvidando-se, o operador que assim atua, do respeito aos princípios basilares acerca do tema.

[1] São exemplos de teorias: eliminação hipotética dos antecedentes causais; causalidade adequada; imputação objetiva, entre outras. [2] São elementos do dolo: consciência e vontade. [3] A regra é que as condutas descritas na lei penal o sejam na forma dolosa. Assim, só haverá crime culposo quando a lei trouxer a previsão da modalidade culposa da conduta, por exemplo: existe delito de lesão corporal culposa (art. 129, §6ºdo CP), mas não existe a previsão culposa do delito de furto, de modo que, a título de ilustração, se um passageiro, na esteira da bagagem, deixar de conferir o ticket e acabar, por negligência, levando a mala de terceira pessoa, esse indivíduo não praticará crime algum, pois não existe a previsão legal da modalidade culposa do crime de furto; o fato será, portanto, atípico. [4] Tais como: intervenção mínima do direito penal; lesividade; insignificância. [5] A incidência do princípio da insignificância, por exemplo, tem o condão de afastar a tipicidade material e, portanto, tornar a conduta atípica, consequentemente, não haveria delito.

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