A prisão cautelar como ultima ratio: análise sobre o princípio da proporcionalidade

Carolina Medici
Advogada Criminalista e Professora de Direito e Processo Penal
Antigamente se afirmava existir uma bipolaridade das medidas cautelares no processo penal brasileiro. Essa expressão, bastante interessante, atestava um problema grave: não havia cautelar diversa da prisão, vale dizer, ou o réu respondia ao processo em liberdade, ou respondia preso.
Tal problema chegou a levar alguns juízes a agirem como legisladores positivos, criando medidas cautelares não previstas em lei e fazendo-as incidir nos processos em que atuavam. Assim agindo, feriam flagrantemente o princípio da legalidade, pois não havia previsão legal da medida. Desta feita, uma atitude que, a princípio, parecia ter roupagem benéfica ao réu aos olhos dos não especialistas na área, em verdade afigurava-se como verdadeira arbitrariedade e ilegalidade. Ora, se todos são inocentes até o trânsito em julgado final de sentença penal condenatória e se no caso concreto não havia demonstração do perigo da liberdade apto a ensejar a decretação de prisão cautelar, o correto seria que o réu permanecesse solto.
O legislador, então, através da lei 12.403/2011, trouxe nova redação aos artigos 319 e 320 do CPP e inaugurou as cautelares diversas da prisão. Isso reforçou não apenas as regras de tratamento oriundas do já mencionado princípio do estado de inocência, mas também a exigência de uma especial atenção ao princípio da proporcionalidade – com todos os seus subprincípios – diante da análise acerca da imposição de medida cautelar.
Nesse sentido, sabendo-se que para a imposição de prisão cautelar é necessária a materialidade do delito e a demonstração do perigo da liberdade, esse último verificado pela análise acerca de indícios concretos aptos a demonstrar que se o acusado permanecer em liberdade (i) continuará praticando delitos, ou (ii) destruirá provas ou ameaçará testemunhas, ou ainda (iii) poderá fugir, faz necessário também verificar, em atenção aos subprincípios do princípio da proporcionalidade se tal prisão cautelar é (i) necessária; se, sendo necessária é (ii) adequada e, sendo necessária e adequada, se também há a chamada (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
A análise do princípio da proporcionalidade é feita de forma escalonada, ou seja, através dos subprincípios acima descritos: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Para além disso, a análise do princípio da proporcionalidade somente é feita se houver fummus comissi delicti e periculum libertatis, ou seja, prova da materialidade do delito e demonstração do perigo da liberdade, tal como explicado anteriormente.
Destarte, será necessária a prisão cautelar daquele que tiver contra si demonstrado o perigo da liberdade, ou seja, caso permaneça solto, continuará praticando delitos, ou ameaçando destruir provas ou testemunhas, ou mesmo fugir. Verificada a necessidade, indaga-se se aquela prisão cautelar é adequada, ou seja, se há previsão legal para ela levando em conta as particularidades do caso concreto. Sendo necessária e adequada, partimos para a última análise, que é justamente aquela que impõe uma verificação acerca das outras cautelares diferentes da prisão. Imprescindível, portanto, que se verifique se há proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, se existe alguma outra cautelar diferente da prisão capaz de resguardar o processo. O intuito é, em respeito ao princípio do estado de inocência, utilizar a prisão cautelar como ultima ratio, preferindo antes lançar mão de cautelar diversa da prisão caso se verifique sua aptidão para evitar o cometimento de novos delitos por parte do réu, ou a destruição de provas ou mesmo a fuga.
Infelizmente, não obstante os postulados constitucionais a orientar o operador do direito no sentido de observar a intervenção mínima do Direito Penal, bem como as regras processuais e as novas medidas dadas pelo legislador infraconstitucional, fato é que a prisão cautelar continua sendo utilizada como regra pelos magistrados brasileiros quando deveria ser medida excepcional e muito bem fundamentada. Isso apenas contribui para a manutenção do caos no sistema carcerário do Brasil, já classificado pelo próprio STF como um estado de coisas inconstitucional.